quinta-feira, 24 de maio de 2018

sábado, 12 de maio de 2018

A tecncoestrutura


por J.C.Fontana
Vitória, ES - 12/2010

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As condições materiais adversas à vida na natureza e  em sociedade forçam os seres vivos a buscarem formas de adaptação para a sobrevivência e perpetuar-se. Essas condições adversas forçam o desenvolvimento  de técnicas para superá-las e, quando aplicadas às atividades de coleta, cultivo, proteção climática facilitam os afazeres diários e foi por isso que a construção de objetos auxiliaram os seres humanos a superar essas condições materiais e foram determinantes na evolução da capacidade cognitiva humana. 

Por isso, a técnica como ação material, transforma o ambiente, atenua os esforços físicos, fortalece o caráter humano, desperta a criatividade e direciona as habilidades individuais para a produção e cooperação produzindo  bem-estar e segurança a todos.  Dessa forma a razão técnica, por sua vez, é um processo racional, empregado para produzir uma ação útil e que faz uso de engenhos criados e desenvolvidos com vistas a atingir um fim, isto é, para realizar um trabalho previamente idealizado. A razão técnica também determina a prerrogativa exclusiva do homem no exercício de projetar por que, somente ele, é capaz de estender para fora de si a experiência do pensamento. Essa experiência de projetar é que antecipa a razão técnica. 
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Com o tempo, várias foram as formas que a humanidade encontrou para atender suas necessidades, porém, foi a partir do século quatorze na Europa ocidental que tornou imperioso o desenvolvimento de novas formas de produção para suprir as demandas do crescimento urbano. 
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As guildas ou associações de artesãos aprimoraram suas técnicas de produção criando normas, formas de trabalho e distribuição que favoreceram o florescendo do comércio, porém, essas formas de produção exigiam habilidades para o trabalho e atenção à demanda, consequentemente, criando trabalho e fonte de renda para muitos. principalmente aqueles oriundos do campo.
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Novos engenhos mecânicos e processos manuais foram desenvolvidos e o aumento da produção dos mestres artesãos aumentou-lhes os ganhos, fortalecendo seu domínio econômico e o poder político originando a burguesia - promotora do Estado moderno. Daí por diante, num movimento dialético de superação de paradoxos oriundos das necessidades políticas, econômicas e sociais, de uso e consumo, de produção e lucros surgiu a necessidade  de atender a expansão das demandas do mercado consumidor insipiente. Iniciou-se, assim, a supremacia dos proto-industriais sobre as artes, o comércio e a política.
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As artes manuais e mecânicas anteriores contribuíram substancialmente para facilitar o desenvolvimento de engenhos mais sofisticados e mais rápidos.  Esse período se consolida como sendo o divisor entre o antigo e o novo sistema de produção, porém, com o progresso do conhecimento e sua aplicação  a partir do século XVIII esses engenhos, inicialmente feitos em madeira e utilizando as forças naturais - água, ventos ou com ação manual de animais ou do artesão - foram aperfeiçoados e fabricados em metais e movidas a vapor por meio do carvão vegetal. 
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Os resultados por eles obtidos transformaram as práticas artesanais anteriores. As práticas racionalizadas foram aplicadas aos ramos produtivos, principalmente na implantação de indústrias  para suprir as crescentes exigências da demanda de consumo européia, esses empreendimentos se iniciaram por obra e graça dos comerciantes e banqueiros detentores dos capitais necessários que direcionaram recursos humanos e financeiros para esse fim, ou seja, para a indústria.
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Inaugura-se, assim, a primeira revolução industrial e com ela a primeira divisão do trabalho dos tempos modernos, na qual, o antigo regime artesanal realizado na moradia do artesão e controlado pelas guildas, tinha uma relação direta com o produto de sua lavra, esse processo familiar fora substituído pelo trabalho reunido em um novo ambiente de produção seguimentado, no qual, o artesão antes livre subjuga-se, agora, as diretrizes de uma corporação. Essa mudança de sistema produtivo levou  contingentes de pequenos artesãos à falência pessoal e o agravamento da pobreza. Com a ociosidade e a oferta abundante de mão de obra os salários pagos pela nova manufatura industrializada mal contribuía para manutenção do operário e da família, porém, esse foi o primeiro passo para reduzir os problemas sociais de então e alterar significativamente as relações sociais e culturais.
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A partir do século XIX, com a chamada segunda revolução industrial surgiu a grande indústria de produção em larga escala, iniciando um novo modo de divisão do trabalho, pois que, nela não havia mais as relações diretas entre o proprietário e o operário, mas, entre as hierarquias da cadeia de comando iniciando, assim, um processo científico com novas exigências técnico-administrativas, porém, do contingente de ociosos, das condições insalubres e perigosas e dos baixos ganhos surgiram os primeiros conflitos da era industrial. Esses conflitos entre o patriciado e o operariado foi estudado por diversos pensadores e soluções foram encontradas.
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Por outro lado, a relação entre as corporações e países industrializados e detentores das novas tecnologias  e fornecedores de matérias-primas a nível mundial atribuiu a cada parte do mundo funções econômicas distintas, ou seja, países fornecedores de capitais e de produtos acabados e países consumidores fornecedores de matéria prima e mão de obra e dependentes de capitais e tecnologias.
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Essa nova ordenação impulsionou o desenvolvimento da razão técnica que contribuiu para elaborar processos organizacionais, maquinarias de larga produção, para a paz e para a guerra, promovendo   e se expandido aos quatro cantos do mundo. Dada a complexidade dos produtos surge a necessidade de especialização do trabalhador. 
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Ao final do século dezenove até o meado do século vinte a literatura, as artes e a filosofia social denunciaram veementemente a técnica especializada como causa do sofrimento e da decadência moral e espiritual, bem como, de seu uso extensivo e descontrolado na transformação dos recursos naturais para produção de energia e de bens de consumo como restritor das liberdades humana. Também os interesses econômicos já tinham sido criticados e denunciados e conclamavam os trabalhadores para o despertamento de sua consciência de classe e a conseqüente valoração de sua mão de obra, sobretudo, diziam os protagonistas desses escritos, que as forças capitalistas faziam do trabalhador um ente vulgar, ordinário: uma peça estamentária útil somente no encaixe da estrutura produtiva originada por seu próprio mecanismo burocrático autorreproduzido. Essa autorreprodução era a conjugação das habilidades técnico-administrativas humanas com  as ferramentas de planejamento, da formação de recursos humanos específicos, da produção e distribuição criando uma rígida teia expansionista da tecnoestrutura solapando recursos dos países periféricos em benefício das potências dominantes de então.
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Com efeito, com o fluir dos tempos a tecnoestrutura dos países centrais foi atualizada e o processo se consolidou com a descobertas de novas propriedades físico-químicas dos elementos da natureza que proporcionaram o desenvolvimento de novos materiais com a consequente construção de engenhos cibernéticos que logo se expandiu e se fizeram presentes na vida dos indivíduos, das famílias, das corporações e de governos nas últimas décadas do século vinte e, ainda, com a interligação dessas máquinas em um ciberespaço contribuiu para a circulação de dados em tempo real e transformá-los em informações disponíveis simultaneamente.
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Os grandes conglomerados financeiros e industriais se apoderaram dessas novas ferramentas. Para salvaguardar sua hegemonia e seu intrépido expansionismo financiou estudos sociais que desnudaram os desejos humanos, sobretudo: a antropologia, a sociologia e a psicologia que, aliadas à estatística, contribuíram para desenvolver teorias que logo foram aplicadas à economia dando origem a outra área de ação - a mercadologia - ou seja o estudo de mercado e o desenvolvimento da propaganda para criar desejos artificiais e se apropriarem da consciência das massas como nichos de mercado cuja tecnoestrutura com seus produtos iria saciá-la, mas, por outro lado, o despertamento desses novos desejos, criou um novo sistema de relações sociais e profissionais e com isso a produção surge associada às novas tecnologias como força que substitui o esforço físico e mental e a transfere para o aparelho mais ágil, preciso e econômico. Sua expansão pode ser tecnologicamente realizada para melhorar seu desempenho e eficiência e expandir o mercado criando novos empreendedores rendendo mais dividendo aos detentores de direitos societários e de propriedade intelectual, melhores salários, gratificações e prêmios aos trabalhadores. Neste processo o homem não produz diretamente, mas, gerencia e controla a produção através de aparelhos, todavia, o padrão de  vida de todos os participantes melhorou e podem desfrutar de tempo livre e realizar seus anseios pessoais.
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Nessa nova tecnoestrutura cibernética – a organização em rede mundial – imitando as revoluções anteriores, reduz custo, altera e melhora a produtividade e exige qualificação dos empreendedores e ocupantes de postos de trabalho, Exige gestão qualificada para atrair os melhores profissionais e o consequente aumento dos ganhos e geração de impostos para o governo para cumprir sua finalidade. A estrutura exige daqueles que nela opera mais conhecimento específico, porém, aqueles que não detém as qualificações exigidas - mesmo tendo recursos financeiros, escolaridade ou profissão catalogada e reconhecida - para participar da nova tecnoestrutura não tem espaço, portanto, a tecnoestrutura é o nicho dos especialistas que, por sua vez, ao nela ingressar, na maioria das vezes, irá ocupar um lugar comum como um participante do sistema.
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O especialista, independente de suas habilidades intelectuais e morais, se transforma num operário assalariado, com contrato de trabalho assinado por outro operador da mesma ou de outra tecnoestrutura não necessariamente de escalão hierárquico superior. É um contratado com prazo de validade determinado pela duração do período produtivo. Em sendo assim, a tecnoestrutura é um espaço desvalorizador da criatividade, da inovação e limitador da genialidade humana.
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Na tecnoestrutura as potencialidades são neutralizadas pelas amarras de controle e  fermentam uma reação a novas experiências transformadoras. Por outro lado, acentua os olhares para as relações mais imediatas ou seja, para os efêmeros interesses do consumo que, despertado pela volição, gera uma saudável competição entre as corporações, grupos ou indivíduos. A tecnoestrutura não obstante ser o engessamento da expressão livre e criativa,  a população em geral, é beneficiada com melhores produtos, serviços e preços. Todos os envolvidos nesse empenho coletivo, recebem treinamento maciço específico e generosas ofertas pecuniárias objetivando a conquista e manutenção do mercado a qualquer custo objetivando a expansão do seu establishment.
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Conclusão
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Na tecnoestrutura o acesso à autenticidade humana, mesmo compensado economicamente, é obstruído e a massa - denominada consumidora - é facilmente capturada pelas potentes "redes" do mercado e, com galhardia, subjuga-se voluntariamente a esse modelar sistema de servidão contemporâneo.
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Numa linguagem mais mercadológica: a tecnoestrutura transforma o homem portador do conhecimento em técnico empregado e assalariado, num operador-colaborador-consumidor, naquele que opera com competitividade e sem nenhuma reserva o manual de instruções previamente elaborado pelos detentores dos direitos econômicos para atingir suas metas.
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A competitividade exacerbada e o desejo de posse criam um estado de torpor permeando o sujeito e transformando-o também num objeto do mercado, bloqueando e alienando sua liberdade aos anônimos príncipes da tecnoestrutura, quer seja ela pública ou privada.
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Jose Clodoaldo Fontana

bel. em Filosofia